Há uma regrinha de ouro, implícita entre
os usuários das redes sociais: a da “sinceridade”.
Quando estamos tetê-à-tête, acreditamos que o outro
está ali por inteiro, e, portanto, não tem onde se esconder. No mundo virtual,
(não no sentido de “possível, mas não existente”, mas no de “análogo ao mundo ‘real’”)
não temos essa suposta garantia – enquanto o rapazola está lá no chat, jurando
que conversa com uma moçoila semivirgem, do outro lado da tela está um
homenzarrão bêbado e nu. Perfeitamente possível.
Desde o começo da internet, está
combinado, então, que o bom usuário deve manter coerência entre aquilo que
mostra e aquilo que é na verdade.
Por isso, fazer um perfil fake – deliberadamente passar-se por
alguém que tem outro nome, CPF e endereço -
ou maquiar o próprio perfil (fazer um fake
de si mesmo), são coisas feias. Muito feias. Pecados capitais contra a moral
das relações internéticas.
Mas que bela hipocrisia,
moçada...
Quem é esse eu-de-verdade cuja presença se cobra nas relações? Existe um ‘eu’ que
mora dentro de mim?
A filosofia e a psicologia já tiveram
longas discussões a esse respeito. O fato de sermos diferentes a cada momento,
e essa impressão de que sempre somos mais do mostramos, justificam pensar numa
essência interior?
Por incrível que pareça, não, não
e não.
Correntes de pensamento ao longo
do século XX (como o existencialismo e a analítica do Dasein) nos levam a crer que somos exatamente aquilo que mostramos
a cada momento. Nem por isso somos fake. Somos
múltiplos, isso sim.
Somos sempre parciais, e nos
mostramos conforme a conveniência. Ninguém é conhecido “por inteiro”, nem pelo pai,
nem pela mãe, nem pelos amigos do peito, da facul ou do botequim. Nem por si
mesmo.
Numa entrevista de emprego, no
motel, no almoço em família, no supermercado – cada pessoa veste inúmeros ‘eus’,
que variam conforme as circunstâncias.
Uma indefesa moçoila semivirgem deve
morar em algum canto do corpo forte do homenzarrão bêbado. E por isso ele pode
decidir trazê-la à tona quando e como achar conveniente. Ele não apenas se
passa por ela; ele, de fato, é ela, em
algum de seus ‘eus’.
A internet apenas radicaliza algo
com que estamos bem acostumados: as pessoas se adéquam aos contextos. Desde que
o mundo é mundo, as pessoas têm vidas duplas, triplas, quádruplas. Acontece
que, há algum tempo, essas vidas paralelas dependiam de lugares concretos para
se expressar: portos, confrarias, clubes, prostíbulos, e afins.
A internet, ao oferecer um novo “lugar”
para que o sujeito se expresse de forma livre, permite que ele viva muitos de
seus ‘eus’ sentado no conforto de seu sofá.
Todo perfil é a versão parcial e
tendenciosa de alguém. Só se revela exatamente aquilo que se quer, e como se
quer.
Fracassou na profissão? Decepcionado
com o casamento? Hemorroidas inflamadas? Só saberão se você quiser.
Nossa vida na internet apenas dá
vazão a mais personagens de nós mesmos, com os quais temos que conviver.
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