quinta-feira, 17 de abril de 2014

10 MOTIVOS PARA NÃO RECLAMAR DO PREÇO DO OVO DE PÁSCOA

Ah, a páscoa...

O preço de um produto é sempre resposta a uma pergunta do tipo: “Quanto vale o show, Aracy de Almeida?” (piadinha +35).
Ou seja, ao longo do processo de produção, acontecem transformações que agregam valor ao produto final. Esse valor deve ser percebido pelo cliente, de forma que ele entenda ser vantajosa a compra.
Pois bem. A produção de um ovo de páscoa agrega valores muito diferentes de qualquer outro chocolate. A cada valor que se agrega ao produto, mais caro ele vai ficando:
1.  A produção de ovos de páscoa é mais “artesanal” – algumas fases do processo dependem da intervenção direta de pessoas, diferentemente do chocolate em barra, que sai prontinho ao final de uma cadeia de máquinas.         


2.  Para ser armazenado e transportado, o ovo requer espaço e cuidados especiais – onde cabe 1 kg de chocolate em barra se levam apenas 2 ou 3 ovos de 240g; além disso, ao contrário da barra, o ovo de páscoa precisa ser transportado em caminhões refrigerados, pois derrete mais facilmente.
3.  Um ovo de páscoa não é somente um produto para ser consumido, mas um artigo com o qual as pessoas se presenteiam. Logo, sua apresentação (embalagem e afins) é diferenciada – e mais custosa.
4.  Com o acréscimo da demanda por chocolates, as fábricas contratam mão de obra temporária, especificamente destinada à produção de ovos de páscoa.


5.  Coloque 5 barras de chocolate de um lado, 1 único ovo de páscoa do Homem-aranha do outro, e peça a um menino de 4 anos que escolha entre eles. Pois é, o direito de estampar o homem-aranha na embalagem (e colocar um bonequinho mixuruca dentro) custa – e muito.
6.  A produção de ovos deveria se esgotar nas lojas até o domingo de Páscoa (no dia seguinte, aquele produto não tem mais valor). Como isso não acontece, a empresa arca com o custo dos encalhados.
7. Somente 27% (pouco mais de 1/4) do custo para produzir o ovo de páscoa vem do chocolate, segundo estudo feito em 2012 pela consultoria Azo, especializada em vendas no varejo.

8.  Ovos de páscoa quebram facilmente, e um ovo quebrado é um ovo “estragado”, que ninguém quer comprar. Para se precaver dessa perda, as empresas contratam seguro, que tem impacto no custo, e é considerado na composição do preço (aliás - veja que interessante – será que as pessoas que reclamam do preço dos ovos, porque alegam que “chocolate é tudo igual” comprariam um ovo quebrado..?).
9.  O consumidor precisa pagar “o arrego” do governo (com perdão do chulo). Sim, cerca de 40% do preço de um ovo de páscoa são impostos, conforme apontou recentemente o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.
10.  Agora, a mais importante razão por que o preço do ovo de páscoa é elevado: porque sim! Se existe uma demanda monstruosa por esse produto (e ninguém duvida que exista), as empresas têm direito de elevar sua margem de lucro! (Engraçado como, no Brasil, “aumentar o lucro” é palavrão. Se essa preocupação ainda fosse genuína... Mas não. A regra é: você pode ganhar o dinheiro que quiser, mas deve manter o discurso de que está praticando o menor preço possível).

Boa páscoa, com ou sem ovos de chocolate.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

SOBRE UM CONTO DE DUAS SOPAS

Leio com prazer o post de uma antiga companheira de plantão psicológico no Recordar, repetir e elaborar. Já havia lido postagens anteriores, mas nenhuma me chamou a atenção como essa.
Camila conta que sua avó, sabendo que a neta andava adoentada, deu de fazer-lhe uma sopa restauradora. Acontece que Camila, mulher adulta, já fizera, ela própria, uma sopa restauradora.
Na comparação dos sabores, a sopa da vó acabou levando a pior. E Camila se pôs a refletir. E sua reflexão me fez refletir.
Não tenho essa relação com comida de vó. As minhas nunca foram grandes cozinheiras. É como se a súbita materialização de seus pratos sobre a mesa tivesse um caráter burocrático: “come aí, pois tira a fome”.
Minha encantadora de talheres foi minha mãe. Ela, sim, (só depois de casar e por absoluto empenho próprio) aprendeu a cozinhar muito bem. Tornou-se a cozinheira da minha infância, aquela que fez as comidas que servirão como referência para todos os outros alimentos da vida – de um refinado restaurante à coxinha do bar da esquina (“Hum, esse tal de coq au vin está bem gostoso, mas o frango com polenta da minha mãe...”).
Vez em quando, ainda tenho a chance de me refestelar com suas preparações. E continuo achando sua comida a melhor. Melhor que a minha, inclusive. Talvez falte distanciamento. Talvez falte eu aprender a cozinhar direito.
Mas o que queria dizer é que tem algo que me encanta no relato da Camila: ela mudou.
Sim, mudou, e muito. Aprendeu a fazer sopas – não tenho dúvida – deliciosas! Descobriu o segredo alquímico por trás dos temperos e tempos de cocção. Flagrou papai colocando o presente debaixo da árvore de natal.
Mas estou certo de que sua vovó também mudou.
Aos 80, já não enxerga como antes; a coordenação motora trai a intenção; as papilas gustativas não têm a sensibilidade de outrora: vovó já não faz a mesma sopa.
A sopa da infância nunca mais será executada. Falta uma Camila criança; e falta uma avó 30 anos mais jovem.
Portanto, hoje Camila não se tornou apenas mais uma fazedora de sopas, igualando-se à vó.
Camila tomou o lugar da vó na feitura de sopas.
A vó vai deixando de ser a restauradora de gripes por meio de sopas. Agora, é Camila quem fará isso, quando vovó doente estiver.

Então, enlutamos: não quando nos igualamos aos pais, mas quando nos colocamos no lugar deles.